segunda-feira, 30 de abril de 2007

EVOLUÇÃO POLÍTICA DE CURRAIS NOVOS




Desde o final do segundo Império até o ano de 1920, quando passou á condição de cidade, Currais Novos era administrada pelo sistema de Câmara de Intendentes ou Conselho da Intendência, sendo seus membros eleitos pelo velho sistema de “voto a bico de pena”, nos traquejados currais eleitorais, onde em colegiado elegiam o seu Presidente, que passava então a governar com todas as prerrogativas de um prefeito. Os demais membros (intendentes) eleitos funcionavam como um corpo de vereadores, com mandatos que variavam de 2 a 4 anos, ou até mais ou menos tempo, dada a informalidade do sistema eleitoral e até mesmo pela falta de uma legislação mais contundente e maior fiscalização por parte dos órgãos governamentais então vigentes, quer no Império, quer na República.

Sobre eleições a bico de pena, em Currais Novos, quem nos fala é o Dr. Antônio Othon Filho (in Meio Século da Roça à Cidade): (...) Não alcancei mais como escrivão (Laurindo) e sim Salustiano Macaco, nosso vizinho que, nas eleições de bico de pena chamadas, me convidava para escrever nomes de 10 e 15 eleitores, com a recomendação de que mudasse de letra; horas depois voltava ao mesmo serviço”. (Sic).

José Nilton de Azevedo, historiador jardinense, falecido há poucos anos, também referiu-se a tais eleições: “Os coronéis, como chefes políticos, na época das eleições, conduziam os livros dos votantes, para o qual pediam aos eleitores que votassem nos seus candidatos. Esse voto era conhecido como ‘voto a bico de pena’. Os eleitores não conheciam sequer os candidatos. Porém, em consideração ao coronel, assinavam o livro, dando o voto”.

Estes dois exemplos, no caso de cidades seridoenses, pois na capital do Estado, repetia-se a mesma coisa, coincidentemente, apenas com pequenas diferenças no modus operandi, como bem escreveu o professor Ivanaldo Lopes (in Oficiais da PM): (...) Á época das eleições a ‘bico de pena’, antiquadas e ilógicas eleições diretas: fora designado presidente de uma mesa eleitoral. O modo era a chamada do eleitor pelo nome, quando sufragaria ao candidato que lhe era im posto. Não se fazia a fila física que hoje se observa. Havia o amontoado, isto é, fila oral, dependente do interesse do presidente da seção. Mas até que havia mais silêncio e ordem. Pessoas velhas e mulheres gestantes não tinham prioridade. Eram dispensadas de votar e, se o queriam, pertenciam ao mesmo nível. Nada de cabelos brancos ou de barriga. É claro que nada sofriam por uma ausência legal. (...) Chamado o nome, comparecia á presença do presidente, recebia dele mesmo a cédula e a punha na urna. Serviam de urna até as famosas e conhecidas latas de quarosene ou um saco de estopa. Não importava a insegurança, pois a barganha já estivera pronta, dando uma certa vez, a derrota inesperada de Rui Barbosa. De nada valeram as reações do grande tribuno. O resultado era aquele demonstrado pelas urnas. Bem pior é modificar o mapa...(...)”.

“O Senador José Martiniano de Alencar, de tradição liberal e revolucionária, quando presidente da Província do Ceará, costumava dizer que “Constituição não se fazia para a canalha”, como outros ainda agora sustentam – “que a canalha não faz constituições”. [1] Para compor os Conselhos de Intendência ou mesmo para a eles se candidatarem, tinham que ser os candidatos considerados “homens bons” no sertão ou “fidalgos” nos grandes centros, pois as Câmaras e Almotacés eram redutos da burguesia reinante.O poder político em Currais Novos sempre foi exercido pelos patenteados da velha Guarda Nacional, de influência, ou por cidadãos representantes da considerada elite rural, os quais dominavam á cena econômica, política e social de todo o município, ora pelos ditames morais ora pelos ditames econômicos ou mesmo familiares. Todos eles, os Presidentes da Intendência, até o final do segundo império e mesmo na república velha, sem distinção, pertenciam a essa gesta privilegiada da nossa sociedade, em sua grande maioria, descendentes ou agregados do fundador da urbe, como se pode observar, membros do clã Bezerra Galvão, sendo vetado, por convenções individualistas e absurdas, a qualquer membro á margem dessa classe ascender a qualquer cargo executivo na estrutura política e social até então estabelecida por aquela oligarquia familiar. Não se sabe ainda por quais alcunhas eram conhecidos os curraisnovenses que, não pertencendo ao clã dominante, se insinuavam em nossa antiga política, mas em 1720, por exemplo, quando os grandes clãs e grandes genearquias políticas dominavam á cena colonial brasileira reinol, “um cidadão foi escolhido para exercer a humilde função de inspetor (fiscal) de pesos e medidas, apelidada por lei como ‘juiz almotacé’. Em seguida foi descoberto que o ‘eleito’ era um simples vendedor de sardinhas. Pois bem, o homem teve a sai eleição anulada, com aceitação do senado maranhense, por que não era ‘nobre...’”.

Aqui mesmo em Extremoz, em 1849, quando “o jornal natalense ‘O Sulista’, n° 6, de 5 de agosto de 1849, fez uma triste acusação contra os filiados do Partido Liberal que em Extremoz votam em homens que vivem de apanhar caranguejos”. Transparecia assim, a flor da pele, essa separação econômica-social, que dominou tanto a política do Brasil desde os tempos reinós até a Revolução de 30.

No final do Século XIX, mais precisamente em 1896, Currais Novos, politicamente, dividia-se em duas facções: uma conservadora, liderada pela família Gomes de Melo, tendo a frente o Major Luiz Gomes de Melo Lula; outra liberal, comandada pela família Bezerra, cujo chefe natural era o Coronel José Bezerra de Araújo Galvão. Mas na verdade dos fatos, a política conservadora era feita por liberais e a liberal por conservadores, nos mesmos moldes que se fazia no resto do país, da mesma forma como disse Zacarias ao Partido Conservador do Paraná, em ensaio fusionista, ao chefe do governo: Reputo-me liberal, ou liberal moderado, o que para mim é o mesmo que conservador moderado ou progressista; a denominação é nada, a idéia é tudo”. Até a crítica política de então, pelos jornais, conceituava: “mais parecido com um liberal no poder é um conservador no poder”. Ou ainda: “o que é um liberal e o que é um conservador, se ambos vêm dos mesmos clãs e pertencem ás mesmas oligarquias?”.
Quando se deu o rompimento político do Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão com o senador José Bernardo, o coronel José Bezerra, chefe de grande prestígio em Currais Novos e em todo o Seridó, ficou ao lado de José Bernardo, com seu irmão coronel Silvino Bezerra, do Acari, a quem considerava seu “líder” político. Por essa ocasião, Pedro Velho entregou ao Major Lula Gomes a direção de sua política no município recém criado. Em conseqüência desse ato, foi o coronel José Bezerra demitido das funções de Delegado de Polícia, demissão essa imposta pelos elementos da facção Pedro-velhista, no município. Os tempos rodaram. A política que os separara os uniriam dentro em breve. “Feito, porém, o acordo, entre os dois grandes chefes, Pedro Velho e José Bernardo, a direção de Currais Novos ficou bipartida entre José Bezerra e Lula Gomes, que sempre foram amigos particulares, facilitando essa amizade e harmonia, que daí por diante reinou constantemente entre os dois chefes”.(Sic).

Mas, os tempos de calmaria, por assim dizer, não atingiram a todos em nossa política. Pelo menos para alguns, as coisas rodaram ao contrário, indo parar alguns no ostracismo não tão gratuito, ou num esteio, como foi o caso do capitão João Jerônimo de Souza: “O Capitão Joça era liberal, e foi preso e amarrado em um esteio da casa do capitão Juventino da Silveira Borges, conservador, pelo delegado Manuel Mendes de Oliveira, também conservador, sob a alegação (dúbia) de desonestidade...”. (Sic).[2]

Em 1911, tentando uma unificação de forças políticas homogêneas em Currais Novos, o coronel José Bezerra, liberal, reuniu-se ao major Lula Gomes, conservador, combinando a queda do líder do Partido Conservador, Laurindo Escrivão (Laurindo Francelino de Souza e Silva), para o que convidaram ao capitão Luiz de Medeiros Galvão (Lulu da Areia) e o alfares Cândido de Oliveira Mendes, para abandonar Laurindo, que já não tinha forças para dirigir o partido. Como resultante do conchavo, além de Laurindo, caíram também o capitão Laurentino Bezerra de Medeiros Galvão, capitão José Gomes de Melo, coronel Manuel Salustino Gomes de Macedo, capitão Laurentino Bezerra de Araújo Galvão, Manoel de Medeiros e Silva (Neco da Areia), Manuel Lopes Galvão (Nelo Lopes), dentre outros. Contudo, no dia 14 de junho de 1906, portanto, cinco anos antes, o coronel José Bezerra fez publicar um manifesto comunicando o seu afastamento oficial da direção política do município, passando-a ao Major Lula Gomes. No mesmo manifesto, o coronel demite-se dos cargos de Delegado de Polícia e de Delegado Escolar. Isso tudo na teoria, pois na prática, como é sabido, o coronel José Bezerra nunca afastou-se, de fato, da política de Currais Novos.

Em 1913, o coronel José Bezerra ficou como Presidente da Intendência e Cândido de Oliveira Mendes como vice. Em 1915, Cândido passou a Presidente, consolidando-se os liberais.

O modelo político praticado naqueles tempos era o de favores mútuos, como ainda o é hoje em dia, mas com nuanças diferentes: “Na concepção do chefe sertanejo, um favor se paga com outro favor. Para ele, favor é dar um dia de serviço quando o pobre está passando fome; é não deixar que vá preso quando se embriaga e tenta subverter a ordem pública; é dar a roupa e o calçado para votar; é dar o remédio e o médico quando o pobre está doente; é afiançá-lo na loja do comerciante para comprar a roupa; é dar-lhe terra e fornecer dinheiro para plantar e limpar o roçado. Em troca desses favores exige naturalmente outros favores. Exige que leve e traga os recados. Exige que vá a feira comprar e trazer as mercadorias. Exige respeito e acatamento ás suas ordens. Exige que açoite ou mate o adversário quando lhe ofende. Exige que bote água e lenha em casa. Exige, finalmente, o voto. O voto que é o instrumento poderoso com que o chefe mantém o seu prestígio, o seu domínio, a sua posição de líder. Sem isso, estaria terminado o seu ciclo, a sua gesta, o seu feudo”. (Sic). [3]

Hoje em dia, muito pouco ou quase nada mudou desses tempos, pois mesmo se vivendo em um estado democrático, as velhas práticas políticas parecem não nos querer deixar, e apegam-se cada vez mais ao nosso dia-a-dia, fazendo com que, nós, que representamos os cidadãos de um mundo moderno, pela corrupção e pelo fisiologismo, somos levados sempre a abjurar os nossos pensamentos e convicções e abraçar, involuntariamente, o modus faciendi dos grandes caciques, que também são donos dos grandes “currais” do século XXIU, representados pelos poderosos meios de comunicação de massa, dos quais são donatários.

À exceção do Dr. Mariano Coelho, Raul Macedo, João Neto Guimarães, Antônio Bezerra Linhares, Mariano Guimarães e Mozar Dias de Almeida, todos os administradores curraisnovenses, de intendentes e prefeitos, pertenceram ou pertencem, direta ou indiretamente ao clã Bezerra Galvão. Por essa e por outras, é que, no início do século XX, Ulisses Telêmaco de Araújo Galvão intentou mudar o nome de Currais Novos para Galvanópolis, na forma dessa oligarquia política havida em nosso município.

De 1892 ao ano de 2006, foram os seguintes os nossos administradores municipais:

INTENDENTES

1º - Capitão Laurentino Bezerra de Medeiros Galvão
(23.01.1892-03.04.1892)
2º - Coronel José Bezerra de Araújo Galvão
(04.04.1892-02.10.1892)
3º - Alferes Cândido de Oliveira Mendes
(03.10.1892-31.12.1895/01.04.1896-03.04.1898)
4º - Coronel João Alfredo Pires de Albuquerque Galvão
(04.04.1898-30.07.1904)
5º - Major Moisés de Oliveira Galvão
(01.08.1904-31.12.1904)
6º - Coronel Antônio Rafael de Vasconcelos Galvão
(01.01.1905-30.09.1906)
7º - Major Benvenuto Pereira de Araújo
(01.10.1906-31.12.1910)
8º - Major Ladislau de Vasconcelos Galvão
(11.01.1911-30.12.1914)
9º - Major Vivaldo Pereira de Araújo
(01.01.1917-31.12.1919)*

PREFEITOS

10º - Quintino Galvão (1º Prefeito)
(01.01.1923-08.10.1925)
11º - Antônio Rafael de Vasconcelos Galvão
(01.01.1926-08.10.1930)
12º - Dr. Mariano Coelho (Intervenção)
(09.10.1930-29.10.1930)
13º - Dr. Raul Macedo (Intervenção)
(30.11.1930-28.09.1934)
14º - João Neto Guimarães (Interbenção)
(28.09.1934-30.10.1935)
15º - Dr. Tristão Barros (intervenção)**
(01.01.1935-25.04.1936)
16º- Tomás Silveira de Araújo
(01.07.1936-14.07.1937)
17º - Dr. José Bezerra de Araújo
(15.07.1937-10.10.1943)
18º - Antônio de Vasconcelos Galvão
(15.07.1943-27.04.1945)
19º - Dr. Antônio Othon Filho
(28.04.1945-15.11.1945)
20º - Antônio Bezerra Linhares
(16.11.1945-22.02.1946)
21º - Alcindo Gomes de Melo
(23.02.1946-23.06.1947)
22º - Dr. Neófito Pinheiro Galvão
(24.06.1947-31.01.1948)
23º - Dr. Sílvio Bezerra de Melo
(1953-1958)
24º - Francisco Leonis Gomes de Assis***
(31.03.1953-31.01.1959)
25º - Dr. Neófito Pinheiro Galvão
(1958-1963)
26º - Mariano Guimarães
(1963-1969)
27º - Dr. Gilberto de Barros Lins
(1969-1973)
28º - José Vilani de Melo Lula****
(31.01.1973-08.05.1973)
29º - Bitamar Bezerra Barreto
(10.05.1973-31.12.1977)
30º - Dr. Geraldo Gomes de Oliveira
(1977-1981)
31º - José Dantas de Araújo
(1983-1989)
32º - Dr. Mozar Dias de Almeida
(1989-1992)
33º - Dr. Gilberto de Barros Lins
(1993-1996)
34º - Dr. Geraldo Gomes de Oliveira
(1996-2000/2001-2004)
35º - José Marcionilo de Barros Lins Neto
(2005-)

Convenção:
* - Durante o período do Major Vivaldo Pereira de Araújo, foi criada a comarca de Currais Novos, no dia 27 de novembro de 1919, tendo como primeiro Juiz de Direito o Dr. Tomás Salustino Gomes de Melo, curraisnovense, futuro proprietário da Mineração Brejuí.

** - No dia 24.05.1936, o prefeito Dr. Tristão Barros foi assassinado em Natal, onde fora delatar um suposto subversivo, tendo por este sido morto a bala em plena Av. Rio Branco, em Natal.

*** - De 4 de junho de 1956 a 1° de abril de 1957, por licença médica do Prefeito Sr. Francisco Leonis Gomes de Assis, assume na interinidade o Presidente da Câmara Municipal, Dr. Gilberto de Barros Lins, já que o vice-prefeito, Bitamar Bezerra Barreto também encontrava-se de licença.

**** - No dia 08.05.1973, o Prefeito José Vilani de Melo Lula renuncia ao cargo, sendo imediatamente substituído e cumprindo todo o restante do mandato, o seu vice, Bitamar Bezerra Barreto.

[1] N. Macedo.
[2] Antônio Othon Filho.
[3] Manoel Rodrigues de Melo.

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