segunda-feira, 30 de abril de 2007

1935 - A GRANDE FORJA DE HERÓIS - "De Doidinho a Batalha de Itararé".





Nos anos 30, nossa época de maior efervescência política e social, já não bastava a simbologia que encerrava Luiz Carlos Prestes, Getúlio Vargas, Plínio Salgado, Café Filho, Juarez Távora, José Américo de Almeida e de todos aqueles que levavam o povo a pensamentos e ações. Já não bastavam os ânimos sempre acirrados, a propaganda e a contra-propaganda ideológicas, os dogmas e as doutrinas... Já não bastava simplesmente semear as idéias utópicas da luta sem a realidade da luta. Já não bastavam as idéias, mas sim a prática.


Para se vivenciar a prática ideológica, fez-se necessária á constituição de “heróis”, para que assim pudessem ser erguidos os totens e os monumentos eméritos e beneméritos para a posteridade. Não a quem realmente de direito, mas sim para aqueles a quem as circunstâncias e as oportunidades concederam toda a honra, mas nenhuma glória, como é comum nesses partos ideológicos.


Um certo “soldado” chamado Luiz Gonzaga.


Durante sete décadas acreditou-se – porque assim foi oficialmente instituído – o fato de que um certo “soldado” chamado Luiz Gonzaga, pertencente à corporação da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, teria sido o único e grande herói da Inssurreição Comunista de 1935, que ocorreu em Natal, quando rebeldes do 21 º Batalhão de Caçadores, liderados pelo sargento Quintino Clementino de Barros e pelo cabo Giocondo Alves Dias, aliançados com células do Partido Comunista do Brasil (na época PCB) e com organizações de esquerda da capital, dominaram a sede do batalhão e metralharam o quartel da PM, saindo vencedores, materializando assim o primeiro governo marxista-leninista das Américas, que durou exatamente 82 horas, do dia 23 ao dia 27/11/1935, para o qual foi constituída um Comitê Popular Revolucionário (CPR), composto pelos seguintes membros:

Quintino Clementino de Barros, 36 anos, sargento-músico do Exército – Secretário de Defesa;
Lauro Cortês Lago, 36 anos, funcionário público estadual – Secretário do Interior e Justiça;
José Macedo, 33 anos, Diretor dos Correios – Secretário de Finanças;
João Galvão, 33 anos, Secretário do Atheneu – Secretário de Viação;
José Praxedes, 36 anos, sapateiro – Secretário de Aprovisionamento.

Geralmente, quando se fala na Intentona Comunista de 35, relembra-se logo as quarteladas do Recife e do Rio de Janeiro, e incluí-se aí, erroneamente, Natal como parte integrante dessas quarteladas. É bem verdade que os movimentos comunistas deflagrados no Recife e no Rio de Janeiro, foram realmente intentonas, pois lá, nessas capitais, o movimento não tomou corpo e forma, como ocorreu em Natal. Na capital potiguar houve realmente uma inssurreição, onde progrediu para o enfrentamento bélico, culminando com a vitória dos inssurretos e a instalação de um governo provisório, mesmo que esse tenha durado tão somente 82 horas. Mas, é uma pena que alguns autores não queiram aceitar essa verdade histórica e ainda prossigam subvertendo a ordem natural do desenrolar dos nossos fatos históricos.


Assim conta a história permitida ...


Após ás 14h00 do dia 24 de novembro, quando a resistência do Quartel da Polícia, representada por dois oficiais e quarenta e seis soldados, sem munição, é obrigada a abandonar o front pelos fundos do prédio, numa passagem que dava para o Rio Potengí, retirada esta comandada pelos majores Luís Júlio e Pinto Soares, um inssurreto defronta-se com um “soldado” agachado, ás margens do Rio, portando um fuzil. Quando o tal “soldado” avistou os inssurretos, levantou-se rapidamente, aidna segurando a arma, quando foi alvejado por um único e certeiro tiro, tombando sem vida. Sobre isso escreveu Home Costa:...No combate do quartel da polícia militar foram feridos os sargentos Celso Anselmo Pinheiro e Celso Dantas Neto, o cabo Severino mendes e os soldados Antônio Jósimo e Antônio Gervásio de Medeiros – todos com ferimentos leves. Houve um morto: Luiz Gonzaga”. O autor do comentário declina as graduações dos militares feridos no combate, não referindo-se a Luiz Gonzaga como soldado ou integrante da defesa do quartel.
Sobre a conturbada figura de Luiz Gonzaga, muita polêmica foi travada. Agora, á luz dos acontecimentos históricos, sem paixões e sem ideologias, procuramos pesquisar a vida do tal “soldado” na bibliografia disponível, chegando á conclusão de que, realmente, Luiz Gonzaga nunca pertenceu aos quadros sda Polícia Militar do Rio Grande do Norte, pelo menos até novembro de 1935. Era um débil mental, natural de Santana do Matos, que residia nas imediações do quartel, e que costumeiramente vivia a fazer mandados da soldadesca, recebendo deles gorros, gandolas, calças e botas usadas, com o que passou a se trajar, por força das necessidades. Era comensal do quartel da polícia. Sobre isso escreveu o desembargador João Maria Furtado: (...) sempre afirmaram que, realmente morreu nas proximidades do quartel da polícia um pobre demente que vivia perambulando pelas ruas de Natal, ms nunca fora soldado da polícia militar (...)

Sizenando Figueira, então militante do Partido Comunista, que participou ativamente do movimento de novembro de 1935, disse, referindo-se a Luiz Gonzaga: “(...) ele não era nem herói nem militar na época. Era apenas um débil mental (...). Afirma o Sr. Sizenando Figueira que foi quem matou o tal “soldado”, “em legítima defesa”, adiantou.
Passado o período do movimento, resolveu então o comando da Polícia Militar alistar, com data retroativa, o tal “Luiz Gonzaga”, única vítima fatal do movimento, como bem disse o desembargador João Maria Furtado: “Entretanto, o major Luiz Júlio resolveu alistar depois de morto Luiz Gonzaga como soldado da polícia que, assim, teve uma morte de herói(...) Segundo um artigo do jornalista Luiz Gonzaga Cortez, intitulado “O Comunismo e as Lutas Políticas no Rio Grande do Norte na Década de 30”, publicado no Jornal “O Poti”, edição de 29/09/1985, diz: (...) Houve uma adulteração no relatório da inssurreição, no qual Luiz Gonzaga teria sido inscrito como soldado depois dos acontecimentos (...) O escritor Manuel Rodrigues de Melo, integralista á época dos acontecimentos, comentou em entrevista: Muitos anos depois é que começaram a falar nesse soldado...” No livro “Meu Depoimento”, publicado em 1937, o Dr. João Medeiros Filho exibe anexo um relatório do delegado auxiliar Enock Garcia, que referindo-se ás vítimas do movimento, não aparece o nome de Luiz Gonzaga. O professor Homero Costa prossegue: “No dia 30 de novembro de 1935, portanto, logo após a derrota da inssurreição, o governador Rafael Fernandes visita os quartéis do 21º BC e da Polícia Militar. Acompanhado pela imprensa, e não faz qualquer referência á morte de soldado da polícia militar. No dia 5 de dezembro de 1935, o coronel Otaviano Pinto Soares, comandante do 21º BC, em longa entevista que concedeu ao jornal “Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro, detalha sua participação e não faz também qualquer referência á morte de soldado da polícia militar. No entanto, em documento datado de 7 de janeiro de 1936, o governador do estado envia ao comandante da 7ª Região Militar o relatório do comandante da Polícia Militar (anexos 2, 3 e 4) datado de 23 de dezembro de 1935, em que diz: “... Após a retirada do quartel foi atingido e morto por certeiros tiros do inimigo o soldado Luiz Gonzaga, que na metralhadora pesada se salientara como um bravo(...). O fato mais curioso é que o jornal oficial do governo do estado “A República” publica diversas matérias nos dias subseqüentes á insurreição e não faz qualquer referência á morte de soldado da polícia militar, nem que existisse tal soldado manobrando essa tal “metralhadora pesada”.
Em 1980, o Dr. João Medeiros Filho, em outro livro - “82 Horas de Subversão” - ao transcrever o mesmo relatório, acrescenta, como primeiro da lista, o “soldado” Luiz Gonzaga, do batalhão Policial. Finalmente, no dia 12 de outubro de 1985, o jornal publica uma carta do Dr. João Medeiros Filho, chefe de polícia á época, autor do livro anteriormente citado, afirmando o mesmo que, “reconhece ter adulterado o relatório, mas que o fez de boa fé”. Esta foi a prova maior de que a farsa foi realmente feita, resistindo até os nossos dias, onde o “soldado” Luiz Gonzaga nasceu por “obra e graça” do major Luiz Júlio, então comandante da Polícia Militar do RN, e que foi, posteriormente, transformado em mártir e herói da “Intentona Comunista de 1935”, Infelizmente, aquela era a hora de se abricar “heróis”, e o herói foi feito. Hoje, Luiz Gonzaga, o “soldado” mártir, é reverenciado como patrono da PM, tendo inclusive uma medalha de mérito da corporação que leva o seu nome e um mausoléu no cemitério do alecrim. “O feitichismo político exigia manipansos de farda. Escolheram-no para novo ídolo”.



A Batalha de Itararé



Em 1930, Getúlio Vargas e seus tenentes necessitavam urgentemente de um motivo incisivo para deflagrar a Revolução. O assassinato á bala do seu candidato a vice-presidente pela Aliança Liberal, João Pessoa, na Confeitaria Glória, no Recife, pelas mãos do advogado João Dantas, serviu de estopim e motivo para a deflagração, mesmo se sabendo hoje que o assassinato de João Pessoa tenha se dado por motivos meramente passionais e nunca políticos, que envolveu Anaíde Beiriz, namorada de João Dantas e a publicação de cartas amorosas pela imprensa.

Getúlio Vargas precisava urgentemente de um objeto de culto para impressionar s sugestionar o povo. O corpo de João Pessoa foi esse objeto sugestivo, tanto que, andaram com seu esquife, “país acima, país abaixo”, servindo de bandeira ao movimento dos tenentes.

Mais tarde, em Natal...


Assim como Luiz Gonzaga de Souza ou “doidinho”, como era mais conhecido em Natal, foi feito herói e mártir da Inssurreição Comunista de 1935, o ex-Governador Dinarte de Medeiros Mariz também o foi. Não foi Dinarte um herói fabricado por uma corporação ou sistema, mas foi um herói forjado nele próprio e por ele próprio, diante do aproveitamento das circunstâncias, e que também foi instituído no consciente coletivo do povo do Rio Grande do Norte, principalmente no povo do Seridó, de onde era natural e exercia as suas atividades comerciais e políticas.

É sabido por toda a população do estado, que o político e empresário do ramo de algodão Dinarte Mariz, natural de Serra Negra do Norte, mas com domicílio em Caicó, município no qual mantinha o seu grande reduto eleitoral, que naquele fim de tarde de 26 de novrmbro de 1935, havia ele pegado em armas e tiroteado contra comunistas em retirada da capital, na Serra do Doutor. Esse episódio da história política do Rio Grande do Norte foi passado para as gerações futuras sob diversos prismas. Da parte do ex-senador e do seu sistema político, a verdade consta que Dinarte realmente foi o grande contra-revolucionário da Inssurreição, entretanto, para os seus opositores ou mesmo para alguns pesquisadores e até mesmo para integralistas e comunistas que participaram ativamente do movimento e da ofensiva na Serra do Doutor, tudo não passou de um jogo de cena inteligente e eficiente. Porém, os fatos não foram relatados pela mídia da época como realmente aconteceram. Leiamos o que diz o escritor Homero Costa, sobre a inicial da questão:

“... no dia 26 de novembro de 1935, praticamente 41 municípios do estado estavam ocupados pelos rebeldes. À tarde, uma parte da tropa que estava na cidade de Santa Cruz se desloca pra a vizinha cidade de Currais Novos. No caminho, numa serra conhecida como “Serra do Doutor”, são surpreendidos por uma grande fuzilaria. Alguns fazendeiros, tendo á frente o 'coronel' Dinarte Mariz, que residia na cidade de Caicó, já informados sobre as ocorrências em Natal e o deslocamento de tropas para o interior do estado, se articulam para resistir. Vão a Campina Grande, na Paraíba, e conseguem, além de armas, aregimentar um considerável contingente (...) No caminho, sabem da ocupação de Santa Cruz e ficam entrincheirados na Serra do Doutor. Com a passagem de dois caminhões que saíam de Santa Cruz em direção a Currais Novos, abrem fogo, pegando-os de surpresa, e impõem a primeira derrota pelas armas aos inssurretos”.


Sobre os fatos ocorridos na Serra do Doutor, naquele fim de tarde do dia 26 de novembro de 1935, há muitas versões, relatadas por jornalistas, militares, sitiantes da região, integralistas, comunistas, etc., cada um, no caso dos sistemas políticos, “puxando a brasa para as suas sardinhas”, a fim de colherem dividendos para si e para os seus sistemas. Mas á luz dos acontecimentos históricos e da verdade dos fatos, podemos afirmar que, Dinarte Mariz, muito embora tenha participado ativamente da resistência aos inssurretos e ao próprio movimento de novembro de 1935, não encontrava-se presente, especificamente, á tardinha da quarta feira, dia 26 de novembro de 1935, na Serra do Doutor, quando se deu o confronto entre comunistas e os sertanejos do Seridó. Sobre isso, atesta o jornalista Luiz Gonzaga Cortez, escrevendo sobre entrevista que lhe foi concedida pelo senhor Manoel Lúcio de Macedo Filho, um dos chefes integralistas do Acari, entre 1933 e 1937:

“A batalha da Serra do Doutor foi travada entre comunistas que viajavam em dois caminhões e os integralistas aliciados pelo padre Walfredo Gurgel, que também era integralista e vigário de Acari. Este, com medo, não foi até a serra, viajando para Santa Luzia, no vizinho estado da Paraíba. Quanto a Dinarte Mariz, não participou de qualquer combate, só aparecendo na serra por volta das 19h00, quando tudo havia acabado”.

A Sra. Otávia Bezerra Dantas, esposa do Sr. Manoel Lúcio, dá também a sua versão á luz dos fatos, como contemporânea e partícipe do movimento:

“Depois da debandada geral, sem nenhum integralista ferido, Dinarte apareceu. Padre Walfredo e o seu motorista José Francisco Lúcio, apareceram no outro dia, de manhã, num chevrolet. Dias depois, andaram dizendo que Dinarte foi o 'general' da Serra do Doutor. Eu respondia na hora: “É mentira. Foram os doze “bobos” de carnaúba que fizeram as bombas e estragou a fuga dos comunistas”.

As versões do Sr. Manoel Lúcio e da Sra. Otávia Bezerra Dantas são depois confirmadas pelo próprio Enock Garcia (delegado auxiliar de Natal, na época) que, em depoimento prestado em 1987, confirma que tanto ele como Dinarte Mariz só chegaram ao local, com 400 homens, na madrugada de quarta feira, 26/11 – apresentando outra versão de horário, mas que nada infere na afirmação do casal integralista de Carnaúba dos Dantas.

Esses dois fatos aqui apresentados, falam por toda a convicção ideológica de uma época, em que a bandeira do anticomunismo serviu de estandarte para emoldurar campanhas políticas e fazer sobressair homens do quase anonimato para as lides do poder e da glória. Naquela época – como ainda hoje reclama-se – necessitava-se de “heróis” e de “mártires”. O poder estadual (e mesmo federal) carecia de que o capitalismo, sustentáculo e esteio da “livre iniciativa” e da manutenção dos grandes latifúndios – eleitorais e agrários – fosse mantido, e que o comunismo ateu, sílbolo do materialismo histórico e dialético, jamais procurasse sair do campo das idéias filosóficas para a prática, como coforeu naquels 82 horas em que Natal, principalmente, sentiu o gosto de haver engendrado, pela caminho da luta armada, o primeiro governo marxista-leninita das Américas, e legado para a posteridade os muitos exemplos e as muitas lições retiradas daquele fatídico episódio. Mas, é o próprio Marx que resume: “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que imposta é modificá-lo”.



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